Porque é a capital.

Alguém me explique quem vai pagar a terceira travessia do Tejo. O TGV. O novo aeroporto da OTA. E sobretudo, porque todos estes investimentos de vulto são concentrados na região de Lisboa e Vale do Tejo, sem sombra de dúvidas a que já recebeu, acumuladamente, a maior fatia do investimento público nacional desde os primórdios da existência de Portugal.

Em discussões infindáveis, apresentam-me a argumentação mais absurda que conheço: Porque é a capital. Precisa de se manter desenvolvida, moderna, uma porta aberta a sorrir para o mundo. Não obstante a enorme injustiça que se gera e que é incompreensível num mundo informado como é o de hoje.

Faz-me sempre traçar um paralelo com a forma como a minha Mãe me educou para receber as visitas em casa. Eram esses os dias onde a limpeza, o cuidado, a atenção a todos os pormenores era mais intensa. Não entendia como recebendo estranhos no nosso lar que estavam confinados em geral à sala de estar, necessitava de limpar o pouco pó acumulado debaixo dos móveis do meu quarto. Percebi depois que havia uma razão clara: O que me impressionava quando visitava outras pessoas não era o fausto da refeição, das louças ou os espelhos da entrada. Era sim, o ar de conforto ao espreitar uma porta entreaberta, ou ao entrar num quarto para pousar um casaco.

Podemos de facto espantar o mundo inteiro, com quem somos capazes de conviver como ninguém, mostrando um salão de visitas excepcional como o é Lisboa. Mas se queremos deixar uma impressão duradoura, seria mais importante ter uma casa cuidada e acolhedora. Talvez mais humilde, é certo, mas com um ar de solidez e conforto que sentimos quando visitamos outro país.

Indigna-me que se faça um TGV sem encontrar uma solução para a saturação da linha do Norte entre Porto e Ovar, há anos a funcionar acima da sua capacidade.

Choca-me que se construa uma nova travessia sobre o Tejo enquanto os recursos necessários para um bom funcionamento da Justiça e Polícia, o papel primordial de um estado de direito, continuam a ser escassos.

Revolta-me que se invista num novo aeroporto enquanto a maioria das empresas e cidadãos continuam sufocados com impostos que lhes retiram a capacidade de tomar opções de investimento.

(continua)